Maria Alexandre Dáskalos nasceu no Huambo em 1957. Fez os estudos primários e secundários nos Colégios Ateniense e São João de Cluny. Frequentou o ensino superior na ex-faculdade de Letras, no Lubango, vindo, posteriormente, a terminar a sua formação em História Contemporânea em Portugal. É considerada pelos críticos com uma “impressiva voz feminina na literatura angolana”. Actualmente, é jornalista na RDP África. Constam da sua obra os trabalhos poéticos Do Tempo Suspenso (1998), Lágrimas e Laranjas (2001) e Jardim das Delícias (2003)
Alguns poemas de Maria Alexandre
"Onde cairá o orvalho se as pedras perderam dono"
Onde cairá o orvalho se as pedras perderam dono
e história
e só as coisas torpes e destruídas
cobriram os campos e tornaram cinza o verde?
Oiço exércitos do norte do sul e do leste
fantasmas lançado o manto das trevas
os rostos exilando-se de si mesmos.
Oiço os exércitos e todo e qualquer som abafarem.
- Não ouves a chuva lá fora, a voz de uma mulher,
o choro de uma criança?
Oiço os exércitos, oiço
os exércitos.
Quero reconstruir tudo - alguém disse
e ouvimos cair as árvores.
E vimos a terra coberta de acácias
e as acácias eram sangue.
Estamos à beira de um caminho
- que caminho é este?
Inventam de novo o vôo dos
pássaros.
Aqui já se ouviu o botão da rosa a desabrochar.
(Do tempo suspenso)
Primeiro amor. Vivi aí.
Casa grande de janelas abertas
para o verde, chave do nosso coração.
Meninos do bom Deus com histórias diferentes
e o mesmo temor e segurança.
Tudo tinha muita cor
como as casas pintadas de fresco
e as ruas debaixo da sombra das árvores.
Dos jardins víamos os novos modelos dos carros
dos anos setenta.
Havia concertos para piano sem orquestra.
E, às vezes, mulheres, loiras muito loiras
cantavam músicas de nós desconhecidas.
Posávamos para os fotógrafos
moças virgens esperadas à saída das aulas
e ouvíamos "if you are going to San Francisco".
As fotografias dessa época estão em casa das tias
e os nossos olhos de terra ou de água ou de noite
não são o que eram: por isso, continuam os mesmos.
Ondulam as cortinas levemente
como a última brisa
para lá da sebe junto aos muros baixos
oiço o barulho das árvores
imensas e antigas
e lembra-me um andamento
das Fantasias de Schumann.
Primeira amor. Vivi aí.
- Log in to post comments
Também pode comentar desde o Facebook