Os concursos de Miss têm sido motivo de muita controvérsia. Contudo, tal não aconteceu no primeiro concurso realizado em Long Beach em Junho de 1959. Nele, o ceptro fora entregue à Armi Kuusela, uma finlandesa de beleza exuberante. Provavelmente, Catalina, a empresa de trajes de banho que o promoveu, esteve mais interessada em publicitar os seus produtos que ir para mais além.
Nos anos que se seguiram, os concursos de Miss passaram a ser frequentes em vários países, mas sempre com os olhos postos no "Concurso Miss Mundo".
Definidas as balizas, e criados os regulamentos sobre os quais as participantes se deveriam cingir, mostrava-se a irrelevância desses eventos apenas para promover um ou outro produto. Vingava, dessa forma, a ideia de que a beleza da mulher também poderia propiciar acções de carácter humanitário, social ou mesmo cívico. Por conseguinte, vários critérios de elegibilidade foram considerados: não ter filhos, não ser casada, ser estudante e, sobretudo, gozar de uma boa saúde, física e mental.
Assim, a mulher já não é alguém que, consciente da sua beleza, se venaliza, numa espécie de instintiva reacção de sobrevivência. É, antes, um ser capaz de conjugar a forma (beleza) com o conteúdo (inteligência e cultura). Melhor ainda: de conjugar a beleza com a agudeza de espírito, a capacidade de observação e a maturidade intelectual.
Não obstante isso, vozes contrárias fizeram-se ouvir: espíritos irrequietos, conservadores e pragmáticos, ao olharem para o carácter oneroso, exuberante, com glamour à mistura, dos eventos, sentiram-se desassossegados: perguntavam-se se os concursos não estariam a converter a beleza feminina numa simples mercadoria ou num alimento para saciar a avidez masculina. Vozes feminisitas, colocadas no mesmo diapasão da polémica, argumentavam que os concursos eram reprováveis por converterem a mulher num mero objecto, dada a ênfase que por vezes se dava à beleza física em detrimento do intelecto.
A ênfase na beleza física também contagiou muitas das concorrentes. Muitas delas recorriam, por isso, a clinicas de estéticas para algumas intervenções cirgúrgicas pontuais (arrumar o nariz, a boca, as orelhas ou desfazerem-se de alguma gordura impertinente). Mesmo assim, a ideia de que a beleza feminina é indissociável ao intelecto, prevaleceu. Por outras palavras, ela é compatível com fins socialmente válidos.
Os concursos de Miss realizados em Angola não podiam obviamente ser uma excepção. Estes, remontam ao ano 1971 (ou pelo menos um dos mais destacados) em plena vigência do regime colonial. Celmia Bauleth, mais conhecida por Riquita, mas também (embora menos) por Welvitchia Mirabilis fora eleita Miss Angola e, posteriormente, Miss Portugal.
Os primeiros anos que se seguiram a independência foram vazios no que toca à realização de concursos de Miss. A razão não foi propriamente a guerra, mas a filosofia marxista-leninista, sobre a qual assentava a ideologia da sociedade utópica que o Partido no poder, que por casualidade ainda é o mesmo, pretendia instaurar. Por mais que se recrimine a referida ideologia, dum aspecto ela estava certa: a recusa de qualquer tipo de exploração, incluindo a da mulher e seus atributos físicos.
Em 1992, com o fim do sistema do partido único, e da economia centralizada, os concursos foram retomados. Problemas não faltaram: em 1998, por razões mal conhecidas, o Ministério da Hotelaria e do Turismo, que realizara o concurso de
1992, passou os direitos de realização a um comité criado para o efeito. Denominado por "Comité Miss Angola" que tem como presidente Ana Paula dos Santos (Primeira-Dama da República de Angola), coadjuvada por dois Vice-Presidentes. Na altura um deles, que mais tarde veio a demitir-se do cargo, foi o jovem Valdo Oliveira, Licenciado em Marketing Internacional, pessoa muito controversa (crise de identificação sexual, snobismo e proxeneta).
Irrelevante que é referir a incompatibilidade entre o papel e o simbolismo duma Primeira-Dama com os concursos de Miss, já que é impensável, e mesmo patético, imaginarmos Michell Obama a organizar concursos de Miss nos Estados Unidos da América, apenas se questiona o porquê da Primeira-Dama estar à frente dessa Organização. É que, pelo que se sabe, os direitos desses eventos, a nível mundial, pertencem, geralmente, a instituições ou empresas ligadas à Comunicação Social, Marketing ou Consultoria. Recorde-se que os direitos de realização do concurso participado por Riquita pertenciam ao Jornal Popular. Seja o que se diga ou se escreva sobre isto, há um facto incontornável: a criação do Comité Miss Angola, permitiu, por um lado, dotar os referidos concursos de maior organização, de abrangência nacional e de maior apoio às Miss para intervirem junto dos problemas sociais identificados (combate ao HIV, apoio a crianças portadoras de deficiências e outras acções de carácter social). Do outro lado, e como já era de esperar numa sociedade marcada pela perda de valores (corrupção, lenocínio e assédio) os concursos de Miss passaram a ser o alvo preferido de pessoas sem escrúpulo. Salvaguardando-se as devidas excepções, assistiu-se a um espectáculo aterrador: por exemplo apostas, a maior parte entre generais enriquecidos pela guerra, a rumarem os seus "hammers", fosse para que província fosse, na ânsia de ver quem ganhava a aposta de "ficar" com a Miss". Paralelamente a isso, ministros, sobretudo o da Educação, eram figuras quase sempre assíduas nos eventos realizados em determinadas províncias. Por fim, os empresários e bancários ao não deixarem o seu crédito por mãos alheias, e ao navegarem em marés de sorte, graças ao dinheiro muitas das vezes de proveniência duvidosa, passaram a subverter o que pretendia ser a celebração da beleza feminina e a sua utilização para causas nobres.
É costume dizer-se que donde menos se espera é que elas saem, e que nem sempre o silêncio esconde algo de bom. Efectivamente, não foi necessário muito tempo para que muitas das coisas encobertas pelas anteriores e posteriores Miss, viessem à tona. Tal sucedeu durante o Concurso realizado em 2002, onde saiu vencedora a província de Benguela na pessoa de Giovana Pinto Leite. Possuidora de uma beleza deslumbrante, lábios sensuais e uma forte personalidade capaz de provocar emoções e assim despertar um sorriso em cada olhar, em cada pessoa e dar mais sentido às coisas; a ligar a isso a sua visível invulnerabilidade e inocência, não restavam dúvidas de que Giovana Pinto Leite havia ganho o concurso Miss Angola 2002 mesmo antes da sua realização.
Mas também, como já era de esperar, tornou-se presa fácil, dado o assédio habitualmente praticado às Miss, com a diferença de Giovana ter tido a coragem de o denunciar no jornal a "Capital". Na verdade, as revelações foram escabrosas, inacreditáveis e revoltantes: que o Comité Miss Angola era uma agência de "arranjos matrimoniais"; que qualquer Miss para ter sucesso na sua carreira era forçada a ter relações sexuais com pessoas influentes (empresários, generais, políticos, bancários, entenda-se); que o Comité Miss Angola tratava as Miss, muito além de uma mercadoria, mas sim como matéria-prima sexual.
Na verdade, pouco ou quase nada abonatório para a Primeira-Dama.
Os posteriores episódios são do conhecimento público: instaurado um inquérito (obviamente parcial) sob a responsabilidade do Ministério da Hotelaria e Turismo, concluiu-se que a denúncia de Giovana Pinto Leite, quanto à existência de assédio sexual no Comité Miss Angola, era sensacionalista, vaga e imprecisa. No entanto, era apenas um pretexto para lhe retirarem o título de "Miss Angola 2002"; para a riscarem dos anais da organização; para a obrigarem a proceder a entrega dos prémios que lhe foram atribuídos, passando, desta forma, o seu título para a primeira-dama de Honor do Miss Angola 2002. E como se não fosse suficiente para a proibirem de se ausentar do país.
Irrelevante que é a discutir sobre para que lado pende a verdade (pois pode-se intuir em qual) duma coisa há certeza: a posição da Primeira-Dama, para além de equivocada e conivente, mesmo com a demissão do vice-presidente, foi, em todos os sentidos, reprovável na qualidade de Presidente do Comité Miss Angola.
Assim, Giovana Pinto Leite ao denunciar as tramas que se tecem no Comité Miss Angola, assumiu-se como uma jovem que se opôs, tenazmente, à amoralidade e à devassidão que graça pelo país e que se sustentam na degradação da família, promovendo a sua desestruturação.
Tudo aponta no sentido de Giovana ter crescido e sido educada num ambiente pleno de valores familiares descobertos na convivência do lar, nas relações diárias de pais, filhos e irmãos, que se traduzem na sinceridade, generosidade, lealdade, na compreensão exigente, na disponibilidade, na coragem e noutros valores humanos.
Trata-se de alguém, (embora silenciada) que mostrou estar a honra e a dignidade, que se conquistam com a audácia e a coragem, acima do dinheiro e das promessas de mau gosto. É também o sinal, mais que claro, que o futuro pode ser olhado com esperança, pois, mais cedo ou mais tarde, os valores serão repostos, com jovens como esta que olham e concretizarão, em Angola, um futuro distante da devassidão e da promiscuidade. Por fim, Giovana Pinto Leite, a Miss Angola 2002 (14º lugar no Concurso Miss Mundo) mostrou que por detrás de um lindo rosto, pode estar também uma grande inteligência e um projecto de vida firme e imbatível.
Em suma, uma grande personalidade ao arrepio da venalidade e da subserviência.
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