"Imperialismo Ovimbundu" é, sem dúvida, a afirmação mais desconexa que se ouve em alguns círculos de intelectuais angolanos. À primeira vista, parece estranho atribuir a um determinado grupo étnico pretensões que se possam assumir como imperialistas. Tais ideias podem não estar plasmadas em livros, relatórios ou actas, mas ouvem-se de pessoas (quase sempre em ambientes restritos) muitas das quais ligadas à assistência humanitária e algumas ONGs, e cuja linha de fundo assenta na tese segundo a qual se está a processar, em determinadas zonas do país, o que se denomina por "Imperialismo Ovimbundu". Trata-se, logicamente, de uma força de expressão, pois ninguém está aqui a falar do imperialismo caracterizado por Lénine (1984) como o "capitalismo parasitário, moribundo, em estado de putrefacção" ou, se ainda o quisermos, como a "Fase Superior do Capitalismo". Sem dúvida que se fala dos processos migratórios de uma etnia de um lugar para o outro em consequência da qual uma delas ocupa o espaço físico, social e, por vezes, cultural da etnia encontrada. ','
Não há menor dúvida de que o assunto assim posto pode levar-nos a pensar, e a concluir, que o mesmo não possui relevância alguma, não passando, como tal, de um mero exercício teórico, pois quem conhece um pouco da história de Angola, sabe que a constituição dos Estados pré-coloniais assentou basicamente em processos migratórios, coisa que já não se põe na fase actual. Porém, não se deve levantar uma muralha da China entre as formulações teóricas, muitas das quais de carácter ideológico, e as políticas sociais que surgem como consequência das mesmas.
Na Antropologia, aparecem teorias e juízos de valor que foram adquirindo contornos políticos, influenciando inclusivamente várias práticas sociais. A título de exemplo, pode citar-se os estudos de Ankerman (1905) onde apresentou o conceito de "círculo cultural", introduzido na terminologia científica por Ratzel, citado por Moraes (1990). Os estudos de Ratzel cobram um interesse especial, relativamente aos aspectos que se prendem com o carácter determinista do poder dos criadores de gado nómadas que, na óptica do autor, possuem o apanágio de criar Estados e subjugar a população agrícola. Todos esses estudos contribuíram, sem sombra de dúvida, para o surgimento de várias concepções, tais como a de povo "camita" (Lepsios, Stuhlman).
O objectivo de todas estas teorias foi o de demonstrar que os grupos de criadores de gado, constituíram o "estado dominante" de grande parte dos Estados da África, cujas consequências nas políticas coloniais, e não só, são do conhecimento de qualquer estudioso. Assim, pode ver-se que qualquer teoria, conceito ou juízo de valor que se crie na Antropologia visa um determinado fim político ou ideológico.
Realmente, tais intelectuais angolanos ao falarem do "Imperialismo Ovimbundu", fazem-nos pensar nos postulados de Stuhlman, sobre as vagas de migrantes. Para este autor, a história de África está relacionada com migrações de certos povos mais desenvolvidos. E com eles vinham as culturas agrícolas, os instrumentos de trabalho, os hábitos e as instituições mais desenvolvidas. Não é por mero acaso que Stuhlman nos fala das três últimas vagas de migrantes (os camitas, proto-camitas e os europeus).
O problema da migração dos Ovimbundu não pode ser visto nesta perspectiva sob pena de se amputar as possibilidades de se fazer uma análise mais cuidada do problema. Estão à vista as consequências dramáticas que poderão advir para os Ovimbundu deslocados mais a sul, nesta fase em que o fim da guerra começou a pôr na ordem do dia a questão do reassentamento das populações e a sã convivência inter-étnica.
O que se passa em Angola é perfeitamente tão distinto quanto compreensível se tivermos em conta a situação de guerra que o País viveu desde a independência, o que nos força analisar esta questão em dois níveis. Em primeiro lugar, a análise deve ser feita tomando em consideração o deslocamento forçado de certos subgrupos Ovimbundu (os Cacondas, Kaluquembes e Bailundos) mais para sul, onde geralmente se os acusa do referido imperialismo, à procura de zonas mais seguras. Em segundo lugar, devemos avaliar a existência, ou não, de conflitos entre a etnia em análise e as encontradas. Note-se que são comunidades perfeitamente distintas do ponto de vista das suas actividades de subsistência: os Ovimbundu são uma comunidade essencialmente agrícola enquanto os Muíla e os Hereros (sobretudos os mucubais ou kuvale) são comunidades agropastoris e pastoris, respectivamente.
A movimentação dos Ovimbundu mais para o Sul foi, por um lado, consequência da situação de guerra que o País viveu e não da intenção deliberada de dominar outros espaços ou, como aconteceu no passado, por questão meramente económicas e de rapina. Por outro lado, e de acordo com as fontes de que dispomos, não se pode falar propriamente da existência de conflitos ou choques entre os Ovimbundu, os Nyaneka-Humbi e os Herereos (Kuvale) se bem que, verdade seja dita, o relacionamento entre os mesmos não tem sido assim tão pacífico. Dum lado, temos os Ovimbundu mais voltados para a agricultura e que, a par da proliferação de igrejas evangélicas e das experiências acumuladas, vão ostentando uma maior capacidade de adaptação, gestão do seu dia-a-dia, e uma maior versatilidade no comércio dentro do capitalismo selvagem que grassa em Angola. Do outro lado, temos sociedades pastoris e agropastoris com poucas experiências a este nível e que se batem, de modo acérrimo, com problemas atinentes a falta de água e outros que advêm do estilo de vida imposto pela transumância (isso para não falar das querelas entre eles derivadas do roubo de gado). É compreensível que isto faça com que os Ovimbundu consigam, a curto prazo, manifestar uma certa predominância que pode, aparentemente, dar a impressão de possuírem uma superioridade organizacional, sem que isso signifique que dominem ou explorem esses grupos.
Se, na verdade, alguns conflitos se têm verificado, as suas causas têm raízes políticas, instigados sub-repticiamente, e na maior parte das vezes, pelo poder local ao conotar-se os Ovimbundu com a Unita, que propriamente por questões de poder derivados da ocupação das terras como, de acordo com as nossas fontes, se tem verificado em maior grau com os Muílas e, em menor grau, com os Ovacilenge, os Ovahumbi e os Hereros (Ndombe, Hakahona e os Dimba). Sem querermos aprofundar a problemática à volta das culturas pastoris e agropastoris, gostaríamos apenas de frisar que a desestruturação desses grupos não tem nada a ver com a presença dos Ovimbundu no seu espaço, mas sim com a política do MPLA que pura e simplesmente os marginalizou. Mais grave ainda é o facto de os Kuvale, provavelmente ainda sob o efeito da ressaca das guerras do Nano que decorreram em 1940, serem os maiores apoiantes do MPLA (Carvalho, 1996).
Se, por razões históricas, já existem antagonismos entre certos grupos étnicos é tarefa de qualquer Estado e Governo criar condições para dirimir as mesmas. No entanto, o que se tem observado por vezes é precisamente o contrário, tal como sucedeu durante a campanha eleitoral das últimas eleições em que, na Huíla, um dos membros influentes do MPLA (Higino Carneiro) num comício concorrido, e na presença de José Eduardo dos Santos (que devia representar a unidade dos angolanos), alertou, a dada altura, para se ter cuidado para se não votar naqueles que têm roubado o gado à noite. Se é verdade que se estava a fazer uma menção a Unita, não é menos verdade que, para a maioria dos Muíla, Hakahona e Kuvale, se estava a falar dos munanos, ou seja, dos Ovimbundu.
À guisa de conclusão, e de acordo com Morais e Correia (1993), as causas da crise que vivem as populações pastoris e agropastoris do Sul de Angola que, inclusivamente as põem em risco de extinção, são os fracos apoios nos serviços de produção animal, a degradação da captação e retenção da água e a liberalização do comércio. Daí que, ao invés de se fazer dos Ovimbundu bode expiatório de alguns dos males que afectam esses grupos, dever-se-ia, como é óbvio, reforçar as capacidades locais, visando promover uma melhor adaptação dos Muíla, Kuvale e outros grupos da região para integrá-los, da melhor maneira, no contexto social e económico vigente em Angola. Isso não é apenas uma acção humanitária, mas o respeito dos direitos das populações marginalizadas e que necessitam também de se sentiram cidadãos. Por outras palavras: uma questão de Direitos Humanos.
Referências Bibliográficas
1. Lénine, V. I. (1984) O Imperialismo, Fase superior do Capitalismo. Portugal. Editorial Avante.
2. Moraes, A,C. (1990). Ratzel. São Paulo: Ática, 1990
3. Carvalho, R.(1997) Aviso à navegação. Luanda: Inald
4. "Staff: Female Half Torso [Angola; Ovimbundu] (1978.412.572)". In Heilbrunn Timeline of Art History. New York: The Metropolitan Museum of Art, 2000-. http://www.metmuseum.org/toah/hd/luba/ho_1978.412.572.htm (October 2006) [Foto]
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