Há dias estava à mesa num desses almoços europeus intermináveis em que o último a falar sou sempre eu. Naturalmente para dizer que já me vou embora. Dessa vez a conversa desenrolava-se em volta de bancos, políticas, polícias, dinheiro, famílias, heranças, etc. Alguém dizia: " O advogado da minha família diz que quando o Pai ou a Mãe morrer, enquanto uns choram, outro vai ao banco, resolve a questão da herança e outros assuntos...". Toda esta conversa começou quando alguém se referiu ao facto de que, na Itália, o governo, a dada altura, anunciou que iria apoderar-se de todas as contas bancárias que estivessem sem movimento nos últimos 10 anos. Sempre que estou neste tipo de ambientes, bate-me levemente a nostalgia, como dizia o poeta. E penso imediatamente nos meus. E pus-me a vagar pelo espaço imaginativo, pensando em como eram os almoços com os referidos, os temas de conversa, as crianças que sempre havia por aí a fazer barulho e pensava: "qual seria o assunto neste momento?", "há preocupação de quem fica com herança em África?" Certamente em alguns núcleos este termo é conhecido, mas em que núcleos?
Estes pensamentos levaram-me imediatamente a escrever este artigo que têm como título as "Repúblicas Dinásticas".
O leitor, normalmente já sabe o significado da palavra república e da palavra dinastia, mas apeteceu-me dar uma vista de olhos a um dicionário de Língua Portuguesa e ver o que ele nos brinda. Assim, República é um "regime em que se tem em vista o interesse geral de todos os cidadãos e em que o Chefe de Estado é eleito, exercendo um mandato temporário". Confesso que quando acabei de ler esta definição apeteceu-me não escrever mais, mas, por força do sacrifício e pela falta de futebol na televisão, não tive outra alternativa. Então, fui à procura do significado da palavra "dinastia" que se refere a "uma série de soberanos pertencentes a uma mesma família; por ext. série de homens ilustres na mesma família".
Que tem a herança e a democracia a ver com a dinastia?
As respostas poderiam ser várias, aliás, como a própria formulação da pergunta. Mas a minha resposta, como africano é: Toda [relação, claro]. Em África, estes três vocábulos estão intimamente conectados, numa simbiose que inveja a muitos fenómenos naturais.
Desde que os regimes coloniais foram extintos de África, [todos] os países, com os lideres ensinados em escolas e institutos superiores vermelhos, faço-me a entender, proclamaram estados tecnicamente democráticos ou pelo menos regimes em que o líder passou a ser um Presidente [título do chefe de um Estado republicano]. Ou seja, há aqui uma passagem fugaz de soba a colonizado, de colonizado a Presidente e muita confusão. Pelos vistos, esse tempo largo da história em que houve colonização, os agora presidentes africanos, de origem africana, não aprenderam nada. Pudera, quem lhes governava era o colono criador ou promotor da mesma Democracia.
A questão é que, uma vez conseguido o lugar de presidente, nos vários estados africanos cria-se automaticamente uma sociedade, uma empresa que podia muito bem ser catalogada de Presidente & Filhos, Ltd. Viajemos um pouco por África e provaremos que não estou assim tão longe da verdade através da realidade de alguns países. Vou começar pelo Norte de África sem descriminar Este ou Oeste.
No Egipto, os egípcios nunca tiveram uma transferência democrática do poder presidencial. Gamal Mubarak é o homem que senta mais alto na mesa do poder do Partido Nacional Democrata. Gamal Mubarak é o filho mais novo dos dois filhos de Hosni Mubarak, o presidente do Egipto, que conta já com 80 primaveras e 28 anos de presidência. Apesar de várias opiniões controversas, muitos analistas pensam que o modelo de hereditariedade não funcionará no Egipto, por ser uma sociedade demasiadamente "moderna", mas tanto dentro do país como no exterior pensa-se que Mubarak filho será o sucessor do seu pai até porque, passo a citar palavras de um vendedor egípcio, "Na República Árabe do Egipto, não escolhemos (Anwar) Sadat, não escolhemos Mubarak pai, e não estamos a escolher o próximo".
A República Árabe Líbia Popular Socialista (outro exemplo) é uma antiga colónia italiana que conseguiu a sua independência em 1951. Oito anos depois (1959), descobriu-se petróleo no território e é hoje uma "monarquia endinheirada". Esta independência sofreu um pequeno percalço em 1969 quando o então Coronel Muammar Gaddafi de 27 anos de idade depôs o Rei Idris I, reclamando para ele poderes absolutos até ao momento. O Coronel Gaddafi é o líder árabe há mais tempo no poder e, com naturalidade, já se diz que um dos seus filhos o sucederá, uma vez derrotado pela doença ou pela morte. Sayf al-Islam Gaddafi é dono de um grupo de meios de informação de capital privado como o nome de 9/1, fazendo memória a data do golpe de estado dirigido por Gaddafi pai, que inclui um canal de televisão por satélite (Al-Libiyya) e dois jornais ("Ayaya" e "Corina"). Por fim, é apontado como sucessor do seu pai apesar de Sayf mesmo ter deixado a carreira política há alguns meses.
A seguir, temos, da nossa longa lista, o Togo onde Faure Gnassingbé é o actual presidente. Faure é sucessor do seu falecido pai. Gnassingbe Enyadema morreu no dia 5 de Fevereiro de 2005, tendo governado aquele país, com total apoio do exército, desde 1967. Apesar de tudo, Faure foi a eleições no dia 24 de Abril de 2005, ganhando com um total de 60% de votos válidos contra 38% de Emmanuel Akitani-Bob, o principal candidato da oposição. Naturalmente, a oposição protestou e, para não variar, as forças de segurança reprimiram brutalmente a manifestação.
A Guiné Equatorial não foge à regra. Teodoro Nguema Obiang é nada mais nada menos que o filho de Teodoro Obiang Nguema Mbasogo, o presidente da Guiné Equatorial. O seu nickname é Teodorín, tem 37 anos de idade e numa fase em que o seu pai padece de cancro da próstata, Teodorín é já apontado como sucessor. Oficialmente é o Ministro da Agricultura e da Silvicultura do governo do pai, mas passa a maior parte do tempo em Paris, Londres, Rio de Janeiro e Malibu. O seu poder é já inquestionável no país, sendo inclusivamente o dono da única estação de rádio privada, Rádio Asonga e director da televisão estatal, TV Asonga. Tem um diploma militar nos Estados Unidos. Teodorín é conhecido no estrangeiro pelos seus gastos exagerados.
A Uganda segue os mesmos passos. No mês de Julho de 2005, o General Yoweri Museveni violou, apagando a cláusula da constituição que limitava a cinco anos o mandato presidencial de modo a usufruir do poder o tempo que ele desejar. Tal emenda constitucional o acompanhou à presidência em Fevereiro de 2006, mas diz ele que está disponível para o eleitorado em Fevereiro de 2011. O mais interessante, para o nosso artigo, são alguns dos comentários proferidos por Yoweri depois da graduação do seu filho, "filhos de revolucionários completam as tarefas dos seus pais." O único filho mais velho oficial do General Museveni, Tenente-coronel Muhoozi Kainerugaba, acrescentou ao seu currículo um diploma em estratégias militares, para além de outros igualmente importantes no que toca a assuntos militares. Com menos de 40 anos, o Tenente-coronel tem acumulado promoções atrás de promoções, como comandante da Guarda Presidencial, ou comandante das "Forças Especiais" responsáveis por vigiar os campos de petróleo descobertos recentemente e prontos para a exploração. Portanto, não há grandes dúvidas de que o limite é a presidência, "quando a morte separe o seu pai da liderança".
Por último, e para não tornar exaustiva a nossa análise, temos Angola. É sem sombra de dúvida o país mais importante para nós. Das diferentes versões da História de Angola, já temos toda informação suficiente: José Eduardo dos Santos é o Presidente do País. Homem no poder há 30 anos, é pai de vários filhos, entre os quais estão Isabel dos Santos, Tchizé dos Santos, José Paulino dos Santos de nickname Zedú (Jr.), José Filomeno dos Santos de nickname Zenú.
Segundo o Jornal O Público, versão online, Isabel dos Santos "entrou no capital do Banco Português de Investimento (BPI), adquirindo ao Banco Comercial Português a posição de 9,69 por cento que este detinha no grupo liderado por Fernando Ulrich" e "a transacção envolveu uma empresa portuguesa, a Santoro Financial Holdings, controlada por Isabel dos Santos".
Sinceramente, não sei classificar se isto é apenas a raíz de uma árvore ou se já é a ponta do Iceberg. O facto é que o quarteto dos Santos já tem o seu lugar marcado na bancada de sócios desse clube em que só entram os escolhidos. Isabel viveu em Londres, estudou Gestão e licenciou-se em Engenharia. Casou-se em 2003, numa festa de proporções faraónicas, com o artista Sindika Dokolo. Pouco tempo depois de ter regressado de Londres a primogénita começou a sua incursão no mundo dos negócios.
Isabel dos Santos tem um património tão extenso que deixa sem alento os maiores maratonistas. Em 1997, começou por gerir o bar Miami Beach, na ilha de Luanda, embora a sua carreira profissional tenha começado na Sonangol como consultora e onde possui interesses. A partir dali foi só criar ramos, braços, raízes ou o que preferirem chamar. Logo passou-se ao comércio de diamantes, estando ligada a diferentes empresas; controla 25 por cento da Unitel, a maior operadora móvel de Angola; está conectada ao projecto agrícola Terra Verde; detém interesses no Banco Africano de Investimento e na Sagripek, uma sociedade agro-pecuária; detém 25 por cento da IDUNA, uma empresa de Braga, Portugal, dedicada ao mobiliário de escritório.
De facto, o investimento de Isabel não se fica por Angola. Os seus interesses em Portugal vão dando que falar. Este baile entre à ex-colónia e o ex-colonizador começou em 2001. A banca e as telecomunicações deram o pontapé de saída. O BES fundou em angola o BESA. Isabel dos Santos participou como investidora angolana, tendo para ela 20 por cento da instituição, além de outros interesses em outras tantas empresas. Isabel é presidente da Cruz Vermelha de Angola.
Tchizé dos Santos, (outra filha de JES), a V.I.P, é casada (no tal mega-casamento) com um português. Oficialmente é menos activa que a irmã a nível empresarial, mas também tem as suas pegadas no mundo dos negócios. É directora-executiva da revista Caras e sócia da West Side Investment que, por sua vez, faz a gestão privada do canal-2 da TPA. É que, palavra puxa palavra e, como tal, subcontratou a Semba-Comunicação, empresa do seu irmão José Paulino dos Santos Zédu Jr. sendo este último o criador do concurso de televisão \'Bounce\' uma espécie de "concurso televisivo ou "reality show"" de dança. Nem o próprio sabe isso ao certo.
As últimas notícias trespassam Tchizé para o mundo político. Welwitchia dos Santos Pêgo, Tchizé, é deputada pelo MPLA e está presente no Parlamento nesta legislatura. De referir também que é a presidente do Benfica de Luanda.
Numa sociedade em que apesar de tudo o que se faz aparentar, o homem é o chefe da casa, muitos entendidos na matéria já apontam a Zenú como sucessor político de JES. Tais rumores dizem que Zenú é visto com frequência no palácio presidencial angolano para contactos com o pai. Zenú também está conectado ao mundo dos negócios, tendo interesses numa empresa privada de petróleos, a SOMOIL, em empresas de transporte e de construção. Diz-se também que Zenú seria comido vivo caso tal sucessão se não concretizasse. A questão é que, quando JES ascendeu ao poder, existiam rumores parecidos. E já lá vão 30 anos.
Estes são apenas alguns exemplos de alguns países de África. Há outros por abordar nos próximos capítulos.
Voltando à mesa, e à conversa das heranças, é evidente que o núcleo dos filhos dos presidentes africanos não precisa de se preocupar com a herança. Os pais já resolveram o assunto por eles. E que tipo de conversa terão quando se encontram para almoçar, deixo a cargo da imaginação do leitor.
Para terminar, queria fazer referência a uma música enigmática e cheia de simbolismo de Bob Marley que diz: "So if you are the big tree, We are the small axe".
Fontes:
http://www.mmegi.bw/index.php?sid=1&aid=53&dir=2008/August/Friday22 [27.8.8]
http://movv.org/2007/06/06/amorim-a-filha-de-eduardo-dos-santos-e-o-banco-bic/ [27.8.08]
http://psitasideo.blogspot.com/2007/07/zenu-futuro-presidente-de-angola.html [27.12.008]
Focus 480/2008
http://es.wikipedia.org/wiki/Sayf_al-Islam_al-Gaddafi [01.01.09]
http://en.wikipedia.org/wiki/Teodorin_Nguema_Obiang [01.01.09]
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