Pretendo abordar, neste texto, os desafios que se colocam ao ensino universitário em Angola. A minha abordagem vai centrar-se essencialmente nos seguintes aspectos: em primeiro lugar, vou fazer uma caracterização geral do nosso país em termos de indicadores económicos, demográficos e sociais, dos quais derivará a minha análise sobre a questão em análise. Defendo a ideia de que os desafios que se colocam a qualquer sistema de ensino, devem partir necessariamente, da realidade desse país. Em segundo lugar, vou procurar definir o que é o ensino superior em termos de estrutura, conteúdos e métodos. Em terceiro, e último lugar vou, fazer derivar os desafios que, na minha óptica, se colocam ao ensino universitário em Angola.
1. Caracterização de Angola
Existem vários indicadores demográficos em que nos podemos apoiar para, a partir deles, fazermos derivar o desafio que se coloca ao ensino universitário em Angola. Vamos, para não sermos cansativos, falar de alguns que eu considero como os mais importantes.
População, recursos e esperança de vida
Angola, como se sabe, é um país africano que se situa na Africa Austral; embora os dados estatísticos não sejam muito fiáveis por não se fazerem os censos, estima-se que Angola tenha uma população de 14,5 milhões (Who, 2006).
Quanto aos recursos, temos a dizer que Angola é um pais extremamente rico a nível de recursos minerais, sobretudo do ferro e do petróleo; no entanto, apesar desta riqueza e devido a outros factores tal como a guerra que afectou o país, a esperança de vida dos angolanos é uma das mais baixas do mundo, ou seja, dados do MICS referem que, em 2006, a esperança de vida, em Angola, era estimada em 42 anos (40,7 para o sexo masculino e 44,2 para o feminino), sendo uma das mais baixas do mundo. Note-se que em vários países africanos, a esperança da vida é de 53,5 anos, portanto, relativamente superior a nossa.
Mortalidade infantil
A mortalidade infantil pode ser vista em dois níveis: antes de 1 ano e de 1 a 5 anos. Os dados que dispomos e relativos ao ano de 2004 apontam no sentido de que a nível infantil em 1000 nados vivos (bebes que nascem) morrem 150; e na faixa infanto-juvenil (1 a 5 anos) em 1000 nados vivos morrem 250 crianças, o que é elevado. Note-se que em certos países africanos apenas morrem 91 crianças em 1000. As causas dessa situação são: (a) as doenças infecciosas, diarreias agudas, paludismo, meningite e outras infecções; b) a má nutrição; c) afecções ao recém-nascido
Economia e investimentos
De acordo com os últimos dados que possuímos, a nível macroeconómico pode dizer-se que tem havido avanços na economia angolana, devido, sobretudo à extracção petrolífera; mas apesar disso, os investimentos na área social e da saúde têm estado muito aquém das necessidades. Podemos, a título de exemplo, referir que em 2007 apenas se atribuiu 5,61 por cento à educação e à saúde, enquanto que países vizinhos nossos como a Namíbia, a África do Sul e o Zimbabwe, tem atribuído mais de 20 por cento ( Andadre, 2007). Isso também explica a nossa baixa esperança e vida, assim como o facto de termos uma das mais baixas taxas de escolarização da África.
2. Caracterização do ensino universitário
Através de uma análise feita de todos os sistemas universitário, podemos sintetizar os seus objectivos:
(a) Criar, desenvolver e transmitir, criticamente, o conhecimento humano, potenciado uma educação baseada em princípios democráticos, da defesa da paz e dos direitos humanos;
(b) Preparar os estudantes para o exercício da actividade profissional que exija conhecimentos científicos e artísticos;
(c) Difundir conhecimentos e a cultura através da extensão universitária, apoiando científica e tecnicamente ao desenvolvimento social, económico e cultural da sociedade.
Vistos os objectivos do ensino universitário, podemos, sem grandes dificuldades, fazer derivar dos indicadores acima apontados, os desafios que, na minha óptica, se põem ao ensino universitário em Angola.
Desafio 1: Contribuir para a dotação, ao país, de uma cultura e consciência estatísticas, tendo em conta que sem as mesmas não se poderá avançar com nenhuma politica social, económica, cultural e artística;
Desafio2: contribuir para o aumento da qualidade e esperança de vida das populações, através do combate as endemias conhecidas e latentes (paludismo, VIH), e as que surgem de modo imprevisto (caso do Marburgo);
Desafio 3: contribuir para a redução dos níveis de nutrição e da fome que, em geral, que paira pelo país;
Desafio 4: contribuir para a formação cultural, profissional e científica do angolano dentro dos valores da paz, solidariedade, tolerância, espírito crítico para não seja apenas um mero espectador das transformações do país, mas um agente activo e participativo;
Desafio 5: contribuir para a redução da excessiva dependência externa no que diz respeito à ciência e tecnologia, propondo e concebendo modelos, teorias e politicas de desenvolvimento mais adequados a África, em geral, e a Angola em particular, mas sem excluirmos as inovações que ocorrem a nível mundial.
Para responder a estes desafios são, a nosso ver, necessárias as seguintes acções:
1.A nível dos financiamentos ao sector do ensino Universitário
a) Sensibilizar o poder político e governativo na necessidade do aumento do bolo do OGE (tendo em conta o PIB), para o sector social, procurando aproximá-lo ao de certos países da Africa Austral, como, por exemplo, a África do Sul.
b) Comprometer a sociedade civil, a indústria e as próprias famílias no investimento à universidade (propinas, bolsas de estudo, subsídios e outros serviços) dada a necessidade de se reforçar o ensino público, pois nenhum estado do mundo o consegue sozinho sem esta comparticipação.
2. A nível da política de expansão do ensino superior publico e privado
a) Promover uma política de abertura de Universidades públicas e privadas de acordo com critérios universalmente aceites e transparentes (número de PhDs), e evitar a conversão do sector privado universitário num sector marcadamente mercantil ou excessivamente dependentes de decisões políticas;
b) Reflectir na possibilidade de se utilizar o e-learning na expansão universitário, sobretudo no sector público, ao invés de se criarem instituições que de universidade só têm o nome;
c) Desmistificar a mentalidade subjacente a cultura do petróleo e a excessiva importância dos cursos das áreas de ciências sociais e humanas em detrimento da área tecnológica;
d) Promover a mobilidade interna e externa, sobretudo a nível da SADC.
3. Cursos a priorizar
Sem prejuízo de outras áreas de formação dever-se-á, na nossa óptica, dar prioridade às seguintes áreas:
a) Formação de professores (secundário e médio) e universitários na componente ensino e investigação;
b) Formação de quadros na área das ciências da saúde (enfermagem, farmácia e medicina), dando uma atenção especial a área da pesquisa em áreas de fabrico de medicamentos, epidemiologia com a recurso a outros campos do conhecimento como a Biologia.
c) Formação nas técnicas de produção alimentar (apoiando-se em cursos de agronomia e veterinária, existentes no Huambo);
d) Formação de quadros na área Psicologia Social como garante das técnicas de mudança das atitudes, valores e crenças;
e) Formação de quadros na área das engenharias (Electromecânica, Informática, Construção Civil) de um modo eficiente e criando condições de atracção para estes cursos.
4. A nível do ensino
a) Conteúdos, meios e métodos de ensino
- Actualização permanente dos conhecimentos dada sua velocidade do mundo global;
- Apetrechamento bibliográfico das Universidades em revistas especializadas e acesso a sites especializados;
- Inserção no sistema de ensino universitário e de um modo crescente as tecnologias educativas;
- Recurso na sala de aula de métodos de aprendizagem mais activos (técnicas de aprendizagem individualizada e técnicas de aprendizagem em grupo).
Corpo docente
- Persistir na aplicação global do estatuto da carreira docente universitária e criar um sistema de avaliação e auto avaliação (formação pós - graduada, textos escritos em capítulos de livros, revistas especializadas, actividades cientificas participadas, com convite e sem convite).
-Velar pela sua formação permanente a nível do ensino, pesquisa e gestão;
- Criar uma consciência departamental e de academia;
- Promover a liberdade de docência, investigação (expressão livre de ideais, opiniões cientificas e artísticas).
Corpo discente
- Promover a criação de estudantes universitário de novo tipo (críticos, participativos, mais centrados no conhecimento e menos nos títulos académicos e com uma atitude investigadora).
5. A nível da investigação
- Implementar tão cedo quanto possível a categoria de pessoal investigador de modo a vincular a docência a investigação conforme a categoria deste pessoal (professor catedrático, titular, associado, etc);
- Avaliar criticamente os graus de mestrado e doutoramento que vão sendo ministrados nas universidades públicas e privadas, a fim de ser realizada, sem prejuízo da investigação individual, à volta das linhas de pesquisa de cada departamento;
- Desenvolver a atitude investigadora dos estudantes utilizando o potencial de cada disciplina.
- Propor a criação de mais institutos de pesquisa, assim como a sua articulação com outras instituições nacionais (Ministério da ciência e tecnologia, Conselho Nacional de investigação científica) e internacionais.
6. A nível da extensão
- Conceber projectos de formação permanente a nível de departamental;
- Promover a realização no espaço universitário de várias actividades e disponibilizar as instalações e os serviços universitários à comunidade;
- Difundir o conhecimento e a cultura assim como a formação durante toda a vida;
- Criar na comunidade uma consciência científica de modo a promover a procura da mesma (encomendar estudos, etc.)
Queríamos, para terminar, dizer que os desafios que se colocam no ensino universitário em Angola, são, de facto, muitos complexos, mas só através da resposta aos mesmos teremos uma Universidade necessária. Só assim estaremos em consonância com as palavras de Karl Jasper ao afirmar que a missão externa da universidade é cultivar a lúcida consciência de uma determinada época o que nos falta e, por isso, ainda andamos à deriva.
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