As eleições são parte de um processo muito mais amplo e complexo que é o da democratização de uma determinada sociedade e, consequentemente, elas não são um fim em si, mas um barómetro do espírito de tolerância, respeito dos direitos humanos e da liberdade de pensamento de um país. De modo que, também se pode aferir pelas últimas eleições realizadas em Angola, a saúde da democracia deste país. É que, em qualquer processo democrático, não está apenas em jogo a questão da ascensão, manutenção e do exercício do poder ou, na pior das hipóteses, do acesso, por parte de uma elite de políticos, ao erário público para fins não confessáveis, mas sim, o que é mais importante, o que está em jogo é a democratização da sociedade.
A democracia, independentemente da forma ou do modelo que se adopte, hoje em dia não pode ser concebida fora dos três pilares básicos que a sustentam: um sistema político baseado na competição pelo poder dentro de um quadro demarcado de regras, com um árbitro para garantir o fair play; a participação dos cidadãos através da auscultação dos programas de cada força política e, por último, o respeito pela lei, das liberdades civis e institucionais.
Qualquer processo democrático é apenas forte quando é resultado de uma forte e salutar competição entre as diversas forças políticas que concorrem pelo poder. Resulta desta competição o fortalecimento da própria democracia e, em extensão, das liberdades individuais e do desenvolvimento do país dada a permanente fiscalização por parte dos derrotados no pleito e do povo em geral. A lógica é de que, enquanto uns executam, os outros participam e controlam esta execução através das instituições cridas para o efeito o que contribui, a médio ou a longo prazo, para o bem-estar dos cidadãos de modo a que possam levar a bom termo os seus projectos individuais.
Um olhar, por mais superficial que seja, para os resultados das últimas eleições realizadas em Angola, mostra que, longe de serem competitivas (em termos de igualdade de condições), foram marcadas por uma exacerbada manipulação das psicologia social dos angolanos. Salta à vista, realmente, que estas eleições isentaram-se da sua verdadeira força motriz, ou seja, a competitividade na luta pela ascensão ao poder através do voto popular.
Os dados falam por si: num universo de seis milhões 450 mil e 407 votos válidos, 81,62% foram obtidos pelo MPLA; 10,32% pela UNITA, 3,17% pelo PRS, 1,20% pela ND e 1,1% pela FNLA, sendo, como tal e, em consequência, as forças políticas que conseguiram eleger deputados à Assembleia Nacional, dos 220 lugares disponíveis, nomeadamente, 191 para o MPLA; 16 para a UNITA; 8 para o PRS; 2 para a ND e 3 para a FNLA. A par disso, é de referir a existência de oito partidos em vias de extinção, tais como o PAJOCA, o FPD, o PLD, o PRD, apenas para citar os que, nas eleições de 1992, haviam conseguido um certo desempenho.
Na realidade o quadro que acima se apresenta é, para a democratização de um país, um tanto ou quanto preocupante, não só a nível do equilíbrio necessário a estabelecer na "casa das leis", como também no fomento da pluralidade de ideias e da liberdade do pensamento.
Uma questão que se põe, à partida, é a de se saber como foi possível chegarem-se a resultados tão incongruentes. Várias pistas se nos apresentam como as mais prováveis.Em primeiro lugar, a desorganização da oposição derivada da fragmentação ideológica e da bifurcação de objectivos e interesses partidários o que, ao invés de os fazer avançar numa frente única, os levou a partiram isolados para o campo político, apesar das coligações pouco expressivas feitas à pressa. Este facto, aliado a factores de carácter organizativo e financeiro, empurrou a oposição para um beco sem saída.Em segundo lugar, tem-se a apontar as artimanhas do MPLA, partido no poder, para ganhar a todo o custo, num jogo desleal o que, só por si, explica os resultados que obteve. Assim, de entre as várias artimanhas temos a apontar às que se referem ao processo eleitoral e às que dizem respeito ao acto eleitoral.
Relativamente ao processo eleitoral, é de apontar o uso abusivo e excessivo dos meios de comunicação social o que levou a uma intoxicação, sem paralelo, das mentes dos cidadãos nacionais, maioritariamente empobrecidos e analfabetos, com a ideia de o MPLA ser o único partido com quadros capazes de governar. Foi o caso do papel desempenhado por órgãos de comunicação social estatais, como a RNA, TPA e Jornal de Angola; o uso indiscriminado do tesouro público para aliciar e comprar as consciências de cidadãos empobrecidos material e espiritualmente pelo próprio sistema de governação e pela guerra que grassou pelo país.
O MPLA partiu também do pressuposto de que grande parte da população angolana vive abaixo do limiar do pobreza e, como tal, uma forma de a aliciar era a de oferecer bens de vária ordem (frigoríficos, carros, computadores portáteis, micro-créditos, tractores, charruas, sacos de farinha, roupa de fardo, apenas para citar alguns). Paralelamente a isso confundiu-se deliberadamente o papel do estado com o do Partido, no sentido de fazer suas as tarefas e atribuições que, por direito, são de qualquer governo como construir escolas, hospitais e infra-estruturas como estradas. Por fim, foi utilizada nas zonas do interior e de forma velada, a intimidação baseada no medo e no rumor sobre os riscos que as pessoas correriam logo após as eleições caso não votassem no Partido no poder. Houve, inclusivamente camponeses metalizados sobre a existência de "máquinas" para detectar a que partido haviam votado.
Sobre as artimanhas relativas ao acto eleitoral a estratégia utilizada teve em linha de conta a fraca representatividade do eleitorado do interior e a sua fácil manipulação manipuláveis e o facto do grosso de votantes se encontrar em Luanda. Recorreu-se, por isso, a táctica da desorganização, tendo-se, como tal, verificado as situações mais escabrosas, tais como: contagem de votos às escuras ou à luz da vela; abandono de urnas nas Assembleias de Voto e sem qualquer protecção; falta de condições de trabalho e de material necessário para o acto (número insuficiente de boletins de voto) abertura tardia, ou não abertura, das Assembleias de Voto; eleitores sem certificação nos cadernos eleitorais e, como se já não fosse suficiente, a presença nervosa, em cada assembleia, de elementos afectos à segurança de Estado. Foram esses factores que tornaram agridoce a vitória do MPLA; doce por, devido a isso, ter vencido e amarga por ter sido uma vitória sem dignidade, marcada pela manipulação e por trunfos escondidos debaixo da manga.
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