Fomos habituados, desde a infância, a termos cuidado com várias coisas. Uma delas é a boca, ora porque é através dela que ingerimos alimentos (benéficos ou maléficos), ora porque é por ela que tomamos os medicamentos prescritos pelo médico. Também é através da boca que alguém mal-intencionado nos pode envenenar ou, no caso de uma paixão, dar vazão aos seus sentimentos através de um beijo. A sabedoria popular, consubstanciada em provérbios, cedo se apercebeu ser a boca o centro à volta do qual gravita a vida de um indivíduo. Apesar disso, os provérbios reportam-se mais a outra função da boca, que é a fala; daí que tenhamos (apenas para citar alguns) provérbios como: “quando na boca há muito patriotismo, há grande ambição no coração” ou “peixe morre pela boca” ou ainda “a boca do ambicioso só fica cheia com a terra da sepultura”.
A sabedoria popular privilegia a fala porque esta, salvaguardadas as devidas excepções, aparece sempre associada às promessas. Também há vários provérbios sobre as promessas como: “prometer não é dar, mas a tolos contentar” ou "muito prometer é uma maneira de enganar”, ou ainda “quem mais promete, menos cumpre”.
Ao olharmos para estes dizeres populares, vêm-nos logo à cabeça as promessas feitas pelo Mpla nas últimas eleições onde obteve mais de 80%. O Mpla fez o possível e o inimaginável para convencer os eleitores a votarem nele de qualquer maneira, e usando os mais diversos meios. Mas fosse como fosse, o lado que mais se destacou foi o mau uso da boca.
No período eleitoral, tal como num filme, assistiu-se a toda uma gama de acontecimentos que puseram o mundo boquiaberto tal era a gana do Mpla em manter-se no poder. Das ofertas mais surpreendentes como meios de transporte (automóveis e motorizadas), alfaias agrícolas, electrodomésticos, vestuário e géneros alimentícios, chegou-se ao ponto de se ver algo que ficará, para sempre, gravado na memória dos angolanos: Bancos Móveis a andarem de bairro em bairro, apelando aos transeuntes a solicitarem créditos bancários com a condição, obviamente, de votarem no MPLA. As ofertas eram acompanhadas por uma euforia discursiva, cujo pano de fundo eram promessas de todo o tipo e feitio. De entre estas, a mais badalada mas também a que mais expectativas criou na camada juvenil (farta de viver ensardinhada na casa dos pais), foi a da construção de um milhão de casas. O mais espantoso foi que essa promessa veio da boca do próprio Presidente da República, José Eduardo dos Santos, ao discursar na cerimónia que assinalou o dia Mundial do Habitat, acolhido em Angola sob o lema ”Construindo cidades harmoniosas”, numa iniciativa da ONU. Para o efeito, iriam disponibilizar-se mais de cinco milhões de dólares neste programa de habitação. Mas a apetência pelos megavotos através de promessas baseadas em meganúmeros (um milhão) não parou por aí. Durante a III Conferência Nacional do Partido, em Junho, o Presidente Eduardo dos Santos, da sua própria boca, prometeu um milhão de empregos, baixando assim a taxa do desemprego para um valor inferior a 15%. A estas promessas, vindas da boca dos mais altos dirigentes do Mpla, seguiram-se outras não menos esfarrapadas: a) o reforço e consolidação da democracia e da capacidade institucional para a satisfação das aspirações do povo; b) o crescimento da economia do país de forma sustentada e a melhoria da qualidade de vida dos angolanos e outras. Tudo isto, de acordo com o Mpla, seria realizado através da concretização de um grande objectivo de carácter político: melhorar a governação do país através da consolidação da democracia e da estabilização política do país. Se se assistiu a isso no período pré-eleitoral, no dia da votação outros factos mais aberrantes foram observados: desta vez (desejamos que seja a última) a opção não foi pela fraude declarada, mas sim pela manipulação das eleições que ficarão conhecidas na história de Angola como as “eleições da trapaça”. O que se passou, embora imperceptível no dia do voto, é hoje do conhecimento público: o fornecimento pela Valleysoft (empresa contratada para o efeito) de um mapeamento diferente do fornecido pela CNE e a criação de uma estrutura paralela mancomunada pelo SINFO e pela Casa Militar da Presidência da República. O resultado também é do domínio público: o caos, o descalabro e o surgimento de situações bizarras que atentaram contra a lógica dos números (140%). O povo angolano, conformado com a estranha vitória do Mpla, embora muitos dos eleitores até hoje se perguntem sobre aonde foram parar os seus votos, resignou-se, esperando pelo cumprimento das promessas.
É aqui onde a porca torce o rabo. Decorrido quase um ano, o Mpla veio, em Junho do corrente ano, através do Vice-governador de Luanda, Bento Soito, dizer que nunca prometeu um milhão de casas; prometeu, isso sim, a criação de condições para os empresários privados de construção as construírem, beneficiando da isenção de impostos e através da distribuição de terrenos a populares para fazerem pessoalmente as suas casas. Isso é o mesmo que meter os sapatos na boca das pessoas.
Mas como “atrás da mentira, mentira vem” o próprio Mpla viria a reconhecer que a promessa de outro milhão, desta vez de empregos, também caía em saco roto. Bastou, para isso, constatar que uma das condições para as linhas de crédito com a China era a contratação de mais trabalhadores chineses e que, emprego não é apenas meter as pessoas a trabalhar, mas dar-lhes, antes da sua inserção no mercado de trabalho, de qualificação técnica e profissional.
E, como a “mentira só dura enquanto a verdade não chega” não tardou a depararmo-nos com outras inverdades: o reforço e consolidação democracia e a capacidade institucional para a satisfação das aspirações do povo foi outra das falsas promessas que vem sendo desmascarada no dia-a-dia: o défice democrático aumentou em Angola. São correntes atitudes ditatoriais, de intolerância, de nepotismo, assim como a promiscuidade entre o poder económico e o poder político e o desrespeito total das populações (caso Mingota e outros), para não falar do golpe de estado institucional ao se protelar indefinidamente a realização das eleições presidências com desculpas de mau pagador.
A “mentira é como uma bola de neve; quanto mais rola, mais engrossa” e, como tal, não tardou a chegar a revelação que menos se esperava: o crescimento da economia do país de forma sustentada, a melhoria da qualidade de vida dos angolanos já não seria possível, ou como se esperava, por causa da actual crise financeira internacional que, na altura em que o Mpla abrira a boca, ela já se fazia sentir a nível mundial.
Não admira, portanto, que desde as últimas eleições, para além de notícias menos más, as que prevalecem são as menos boas. É que, Angola continua a figurar entre os dez países com o maior risco de morte maternal e infantil. No que toca aos direitos humanos vem-se assistindo ao seu frequente desrespeito (desalojamentos forçados, julgamentos injustos, interferência nos órgãos de comunicação social privados e constrangimentos às organizações da sociedade civil e assassinatos selectivos), isso para não falar do facto de Angola figurar entre os países mais corruptos do mundo.
É para se dizer que a mentira tem pernas curtas ou como dizem os provérbios: “quando na boca há muito patriotismo, há grande ambição no coração” ou “peixe morre pela boca” ou ainda ““prometer não é dar, mas a tolos contentar”.
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